I Encontro Sindical Regional de Piracicaba – Em Defesa da CLT e Garantia dos Direitos Trabalhistas

Tema: “A FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO E A FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS”
Palestrante: ANTENOR VAROLLA – Gerente Regional do Trabalho em Piracicaba – Ministério do Trabalho e Emprego.
Palestra realizada: 17/08/2012

“A FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO E A FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS”
A fiscalização do trabalho surgiu no Brasil em 1891, através do Decreto n.° 1.313 de 17/01/1891, mas por vários anos não atuou efetivamente como órgão de defesa dos trabalhadores, pois a União enquanto detentora dessa atribuição executiva não tinha competência privativa para legislar sobre o Direito do Trabalho, já que os Estados tinham competência para legislar sobre esse direito.
Somente com a reforma constitucional de 1926, através da Emenda Constitucional de 03/09/1926, quando a organização do trabalho passa para a competência da União, foi possível promover reformas para se ter também de fato um órgão de inspeção, mas cuja efetivação somente alcançou êxito em 1965, após passados mais de 20 anos do surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-Lei nº 5.452 de 01/05/1943), mediante a regulamentação da inspeção do trabalho através do Decreto nº 55.841 de 15/03/1965. Isto em razão do compromisso assumido pelo Brasil em 1956 com a ratificação da Convenção nº 81 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, através do Decreto 41.721 de 25/06/1957.

A legislação trabalhista, considerada como norma rígida, tem sido ponto de acirrados debates sobre a necessidade de sua flexibilização, contudo, conforme se verifica da análise das alterações normativas nas últimas quatro décadas, diversas foram as modificações que revelam não ser a flexibilização um fenômeno novo. Teve de fato início no ano de 1966 com a Lei nº 5.107 de 13/09/1966, quando fora instituído o regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, pelo qual a estabilidade no emprego que tinha “status” de norma constitucional deixa de ser absoluta. Já esta lei visava atender aos interesses econômicos do Brasil, pois o sistema da estabilidade no trabalho era tido como um empecilho ao sistema produtivo capitalista. Na mesma esteira da flexibilização vieram uma série de outras leis que demonstram cristalinamente que há muito a flexibilização vem ocorrendo.

Entre elas se destacam:

– instituição do regime de trabalho temporário em 1974 (Lei nº 6.019, de 03/01/74)
– regulamentação dos estágios de estudantes de estabelecimentos de ensino superior e de ensino médio profissionalizante do 2º grau e supletivo em 1977 (Lei nº 6.494, de 07/12/77, alterada pela Medida Provisória nº 1.952 de 09/12/1999)

– contratação de serviços de sociedade cooperativa em 1994 (parágrafo único do artigo 442 da CLT – parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.949, de 09/12/94)

– criação da modalidade de contrato de trabalho por prazo determinado em 1998 (Lei nº 9.601, de 21/01/98)

– regulamentação do serviço voluntário em 1998 (Lei nº 9.608, de 18/02/98)

– definição de obrigações trabalhistas diferenciadas para as microempresas e empresas de pequeno porte em 1999 (Lei nº 9.841, de 05/10/99)

– autorização do Banco de Horas em 1998 (Lei nº 9.601/98)

– autorização para suspensão dos efeitos do contrato de trabalho do empregado para fins de participação de cursos de qualificação profissional em 1999 (artigo 476-A da CLT, acrescido pela MP nº 1952 de 09/12/1999)

– criação de um “novo perfil para a fiscalização do trabalho” em 1999 (artigo 627-A na Consolidação das Leis do Trabalho, através da MP nº 1.952 de 09/12/1999)

– criação de Comissões de Conciliação Prévia em 2000 (Lei nº 9.958, de 12/01/00)

Embora não seja fato novo, a flexibilização ganha uma nova dimensão com o intento da chamada “Reforma Trabalhista”, oportunidade em que determinados setores da sociedade buscam resgatar a essência de Projeto de Lei que visa privilegiar a autonomia privada coletiva mediante a afirmação normativa de prevalência do negociado sobre o legislado, objeto de debates carregados de opiniões favoráveis e contrárias a esta proposta.

Em que pese a flexibilização da legislação trabalhista vista nos últimos anos, com a série de normas desde a lei do FGTS em 1966, as reclamações de trabalhadores e de sindicatos de categorias profissionais cresceram ano a ano, provando que apenas a flexibilização de normas não reduz o desrespeito aos direitos dos trabalhadores, pois na medida que foram sendo disciplinadas novas formas de contratação, os empregadores foram multiplicando os desvirtuamentos dessas formas de relações de trabalho para obtenção de maiores lucros, o que, em contrapartida, gerou uma crescente demanda de denúncias perante o Ministério do Trabalho e Emprego para que a fiscalização promovesse a defesa dos direitos trabalhistas não respeitados pela classe econômica. Isso não foi diferente quanto as demandas junto ao Ministério Público do Trabalho e à Justiça do Trabalho.

A integração econômica e a luta pelo comércio internacional buscada pelo Brasil trouxeram-no uma obrigação de atendimento a certas exigências da comunidade internacional no plano das políticas públicas, especificamente aquelas afetas à sua imagem no exterior e diretamente ligadas ao seu interesse econômico, qual seja a atuação para resgate da condição mínima de dignidade humana. Nesse novo cenário a inspeção do trabalho passa também a desenvolver ações para o combate ao trabalho infantil, ao trabalho forçado e à discriminação no trabalho, entre outras.

A Auditoria-Fiscal do Trabalho, responsável pela verificação do cumprimento da legislação trabalhista, no que diz respeito ao modo de atuação, não acompanhou as modificações então ocorridas na legislação em razão das limitações legais existentes para o alcance desejado, o que a deixou até a pouco tempo dissociada da realidade e do dinamismo das relações do trabalho decorrentes das modificações no sistema normativo trabalhista e mesmo dos efeitos das transformações econômicas.

Somente a partir do ano 1.999 a Auditoria-Fiscal do Trabalho começa a ganhar um novo perfil que vem de encontro à realidade das relações de trabalho no Brasil. Com efeito, os Auditores-Fiscais do Trabalho passaram a ter competência para assegurar o cumprimento de disposições legais nas relações de trabalho e não apenas nas relações de emprego (MP nº 2.175 de 24/08/2001, e posteriormente pela Lei nº 10.593 de 06/12/2002). Receberam o poder para instauração de procedimento especial de fiscalização, visando à orientação e busca de solução negociada mediante Termo de Compromisso do Empregador (art. 627-A CLT), bem como passaram a ter o poder de inspecionar qualquer documento contábil da empresa, o que facilita a identificação de irregularidades praticadas. Com essa ampliação de poder, a inspeção estatal ganhou forças para atuar dentro da atual conformação do trabalho no Brasil.

A flexibilização da legislação trabalhista implica em reorientação da forma de atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho, pois a diversificação das formas de trabalho e suas respectivas disciplinas obrigam a que se preze pela qualidade das ações fiscais, em especial a produção de provas, a elaboração de relatórios e as autuações, que certamente, pelo interesse e poder do capital internacional que tende a predominar e pelo acirramento da competitividade, serão contestadas com defesas de qualidade que possam fazer prevalecer os ares libertários da flexibilização. Por outro lado, essa mesma qualidade é indispensável para que se respeite os limites legais da autonomia privada, mediante o correto enquadramento de cada situação concreta que revele essa prevalência.

No Direito do Trabalho dois princípios constitucionais se destacam: o princípio da proteção e princípio da autonomia privada coletiva. Com a flexibilização das normas trabalhistas há uma tendência de que esses princípios possam cada vez mais estar em colisão entre si, ante a natureza dos interesses que possam estar protegendo.

O princípio da proteção e o princípio da autonomia privada presentes no Direito do Trabalho são dotados de juridicidade, concebidos como normas pós-positivistas de princípios. Portanto, servem ao sistema jurídico também para regular os casos de natureza trabalhista, pois decorrem dos direitos sociais expressos no artigo 7º da Constituição Federal de 1988.

O princípio da proteção é norma que constitui o Estado em obrigação de fazer no que tange à defesa dos direitos dos trabalhadores prescritos no artigo 7º da Carta Magna, visto esses direitos subjacentes no princípio da dignidade da pessoa humana, concebido como fundamento da República Federativa do Brasil, a qual deve ser informadora de toda a atividade estatal.

Na função de zelar pelo cumprimento da legislação trabalhista a Auditoria-Fiscal do Trabalho frequentemente encontra situações concretas de colisão entre o princípio da proteção e o princípio da autonomia privada coletiva, ante a incompatibilidade entre os interesses por eles respectivamente protegidos. Nessas situações, onde for impossível a manutenção de um interesse sem o afastamento do outro, a autoridade.

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